A Guerra da Criméia
Ter 20 Fev 2007 16:21 |
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- Categoria: História das Guerras
- Atualização: Domingo, 19 Abril 2009 12:56
- Autor: vovó Vicki
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De um lado os russos, do outro britânicos, franceses e turcos. A Guerra da Criméia foi o batismo de fogo do telégrafo elétrico. O uso displiscente desta nova tecnologia levou ao fiasco de logística dos britânicos.
Nunca existe um motivo único para justificar uma guerra. Desentendimentos, disputas, diferenças de opinião e de crenças vão se acumulando ao longo dos anos e acabam sendo as verdadeiras razões de conflitos. O chamado "motivo" costuma ser apenas a "gota d'água".
O pano de fundo
A ironia da frustrada invasão russa por Napoleão em 1812 foi ter permitido e encorajado os Romanovs a adquirirem importância na cena internacional. A Rússia de Catarina - a Grande (1729-1796), foi notoriamente pró-britânica. Seu sucessor, Paulo I (1796-1801), tendia para Bonaparte, mas não viveu muito. Seu filho, Alexandre I (1801-1825), rapidamente realinhou a Rússia com os britânicos até o fim das Guerras Nepoleônicas.
Após a morte de Alexandre I em 1825, tudo mudou. Foi sucedido por seu irmão, Nicolau I (1825-1855), um tirano obcecado pela expansão territorial. Isto levou a dois novos pontos de atrito na fronteira sul da Rússia: sua tentativa de tomar a Criméia do Império Turco e a de desestabilizar os britânicos na Índia. Esta última ficou conhecida entre os britânicos como o "Grande Jogo" e, entre os russos, como "Torneio das Sombras". Seguiu-se um período de pequenos levantes e guerras locais, culminando com a Primeira Guerra do Afeganistão (1839-1842). A "Fronteira Noroeste" (as terras entre o Afeganistão e o Paquistão atual, onde se escondiam os Talibans e a Al Qaeda até 2001) do Império Britânico continuaria sendo um problema por mais um século de "Grande Jogo".
A gota d'água
A Guerra da Criméia se estendeu de 1854 a 1856. Aparentemente começou com uma discussão entre monges ortodoxos russos e católicos franceses sobre quem teria precedência sobre os locais sagrados em Jerusalém e Nazaré. Em 1853 os ânimos se acirraram resultando em violência e casos de morte em Belém (veja no mapa em 1). O Czar Nicolau I aproveita o incidente, provavelmente preparado: alega estar defendendo os cristãos que habitavam os domínios do sultão turco e seus templos na Terra Santa. Envia então tropas para ocupar a Moldávia e Valáquia (a atual Romênia - veja no mapa em 2). Em resposta, os turcos declaram guerra à Rússia. Com a guerra declarada, a frota russa destruiu a flotilha turca em Sinope, no Mar Negro.
Era mais movimento de ataque no "Torneio das Sombras", calculado para aumentar a presença russa no Mar Negro e, desta forma, ampliar sua influência por todo o Mediterrâneo e no Oriente Médio. Para evitar a expansão russa, os britânicos e franceses abandonaram uma rivalidade secular e decidiram se declarar a favor dos turcos em 28 de Março de 1854. A Rainha Victoria, fazendo o "Grande Jogo", e Louis Napoleão III, imperador da França e sobrinho de Napoleão I, ansioso por repetir o sucesso militar do tio, enviam forças expedicionárias para os balcãs: os britânicos comandados pelo General Lord Reglan, que havia participado da batalha de Waterloo; os franceses comandados pelo Marechal St. Arnaud e, depois da sua morte causada pela cólera, pelo General Canrobert, ambos veteranos das guerras francesas na Algéria; os turcos pelo General Omar Pasha.
Em Setembro de 1854 os russos já haviam sido expulsos da Moldávia e da Valáquia. A guerra deveria ter terminado neste ponto, mas Lord Palmerstone, primeiro ministro britânico, decidiu que a grande base naval russa em Sabastopol constituía uma ameaça direta à segurança da região no futuro. As forças expedicionárias, então, se dirigem para a península da Criméia (veja no mapa em 3)
O desenrolar da guerra
Apesar da vitória, os britânicos e seus aliados foram pouco competentes. A Guerra da Criméia tornou-se sinônimo de comando pobre e de fiasco em logística.
Em 20 de Setembro de 1854 os aliados enfrentaram os russos em Alma. Foi adotado um plano simples: os franceses contornariam o flanco esquerdo (do lado do mar) do inimigo e, logo após, os britânicos fariam um assalto frontal. Devido à primeira de uma série de trapalhadas que caracterizaram esta guerra, os britânicos foram obrigados a atacar antes dos franceses terem alcançado seu objetivo. Lord Raglan avançou tanto que passou a dirigir a batalha atrás das linhas russas. Após cerca de 3 horas, os russos estavam completamente batidos e fugiram em debandada. Lord Reglan quis perseguilos, porém o Marechal St. Arnaud não concordou. O exército russo conseguiu voltar para Sabastopol e o Tenente Coronel Todleben, um jovem gênio engenheiro militar, começou a preparar as defesas da cidade.
As forças aliadas decidiram cercar Sebastopol. Os britânicos tomaram Balaclava sem derramamento de sangue e aí estabeleceram sua base de suprimentos. Os franceses tomaram o porto de Kamiesch que estava sem defesa. Começaram a chegar armas e munição para o cerco. Em 17 de Outubro de 1854 os aliados começaram a bombardear Sebastopol e, depois de dois dias de intenso bombardeio, não havia sinais de sucesso. Ao invés de se intimidar, em 25 de Outubro de 1854 o General Menschikoff ataca a milícia turca, que não suporta o ataque e recua. Outra força russa ataca as forças britânicas que ficam ocupadas repelindo os cossacos. Enquanto isto, os russos calmamente recolhiam as armas britânicas deixadas para trás pelos turcos.
Lord Raglan passou a enviar ordens desesperadamente para a Brigada de Cavalaria Ligeira e para a sua infantaria, na tentativa de evitar que os russos se apoderassem das armas. Finalmente uma das suas ordens foi obedecida e o ataque da Cavalaria Ligeira começou - na direção completamente errada!
Dez dias mais tarde os russos atacaram novamente. A Batalha de Inkermann, como ficou conhecida, foi uma verdadeira carnificina: o número de russos mortos foi maior que o número de soldados aliados atacados. Após esta batalha as condições do tempo pioraram muito e as atividades dos aliados se restringiam em manter o cerco de Sebastopol. Durante o inverno de 1854/1855, a falta de suprimentos dos militares britânicos acabou matando quatro vezes mais homens do que a ação do inimigo - milhares morreram de doenças, exposição ao frio e má nutrição. Um regimento de mais de mil integrantes, em Janeiro de 1855 estava reduzido a sete homens. Com a chegada da primavera começaram a vir agasalhos e roupas de inverno da Inglaterra. Um pouco tarde, já que o inverno havia terminado!
Os ataques dos aliados falharam repetidamente da mesma forma que as tentativas dos russos em expulsá-los. Lord Raglan não resiste e morre em 28 de Junho de 1855. Finalmente, em 8 de Setembro de 1855, os aliados tentam novamente tomar Sebastopol. Os franceses tiveram sucesso, os britânicos falharam mais uma vez. Os russos são obrigados a recuar depois de uma defesa excepcional que manteve as melhores tropas do mundo paralisadas por mais de onze meses.
Após a queda de Sabastopol, a guerra da Criméia chegou ao fim. Apesar disto, as hostilidades ainda persistiram até Fevereiro de 1856 e a paz só foi declarada no final de Março do mesmo ano. Aos combatentes restou a medalha "Victoria Regina", das quais foram distribuídas 275.000.
O telégrafo elétrico
O desenvolvimento do telégrafo elétrico e o "Grande Jogo/Torneio das Sombras" são fatos aparentemente isolados que acabaram se encontrando na Guerra da Criméia. Foi a primeira guerra de porte que aconteceu na era do telégrafo elétrico e suas batalhas acabaram sendo o batismo de fogo desta nova tecnologia.
O telégrafo da Criméia possuía dois aspectos distintos, ou seja, um sistema telegráfico de oito estações ao redor de Balaclava e um cabo submarino. Os fios da rede de oito estações foram puxados pela equipe do coronel Stopford, do Royal Engineers, que concluiu a operação em apenas algumas semanas. O cabo submarino, que atravessava 550 km do Mar Negro ao longo da costa da atual Bulgária, ligava as estações a Varna. Em Abril de 1855 o cabo submarino estava operando e, pela primeira vez na história das guerras, colocou comandantes da frente de batalha em contato direto e quase que imediato com seus respectivos departamentos de guerra. Entretanto, as reações à nova tecnologia foram diversas: enquanto Napoleão III manteve contatos pessoais e diretos com o comando das forças francesas, os britânicos usavam o sistema como uma via para burocratas subalternos criarem problemas administrativos por motivos fortuitos. O preço pago pelos britânicos foi muito alto, como já vimos nos relatos de guerra acima citados.
Os russos, por sua vez, ampliaram com urgência seu sistema telegráfico Siemens e Halske existente em Odessa. Se apressaram em puxar fios até Sebastopol mas, quando finalmente o sistema entrou em operação, foi para avisar Moscou que a cidade estava prestes a capitular. A cifra polialfabética de Vigenère foi um dos principais códigos utilizados pelos russos. Alega-se que este tenha sido o motivo do silêncio sepulcral que envolveu a quebra do sistema de Vigenère pelo cientista britânico Charles Babbage.
Fontes de Referência
- Military Operations of the Crimean War de Michael Hargreave Mawson
- The Crimean War 1854-1856 na Alex Chirnside's Military History Homepage
- Codes and Ciphers in History, Part 2 - 1853 to 1917 de Derek J. Smith