Numerais babilônicos
Seg 11 Jul 2005 15:34 |
- Detalhes
- Categoria: Matemática Numaboa
- Atualização: Domingo, 14 Junho 2009 14:35
- Autor: vovó Vicki
- Acessos: 78098
A memória foi o primeiro sistema de armazenamento de dados e os dedos das mãos, provavelmente, foram os primeiros instrumentos de contagem. Como a memória humana é falha (e se torna cada vez menos confiável com a idade), surgiu a necessidade de registrar as contagens de uma forma mais segura: a forma escrita.
Um pouco da História
Na Antiguidade, o centro cultural da humanidade ficava numa região do Oriente Médio conhecida como Mesopotâmia, situada entre os rios Tigre e Eufrates. Suas terras eram muito férteis, o que garantia boas safras e a subsistência dos seus habitantes. Os sumérios viviam nesta região desde antes de 3.500 a.C. Construíram cidades, tinham um sistema legal bastante evoluído, uma administração eficiente que contava inclusive com um serviço postal e criaram sistemas de irrigação artifical. Desenvolveram um sistema de escrita e um sistema numérico sexagesimal (base 60). Por volta de 2.300 a.C., os acadianos, de civilização bem menos evoluída, invadiram a região. Azar dos sumérios e sorte dos acadianos que, em pouco tempo, absorveram muito da cultura sumeriana. Os acadianos inventaram o ábaco (uma ferramenta bem mais eficaz do que os dedos para fazer contagens) e desenvolveram métodos meio desajeitados para realizar somas, subtrações, multiplicações e divisões.
A soberania dos acadianos durou cerca de 200 anos quando, ao redor de 2.100 a.C., os sumérios se revoltaram e assumiram novamente o controle da região. Mas esta soberania não durou muito tempo. Apenas 100 anos mais tarde, em 2.000 a.C., os babilônios derrotaram os sumérios, tomaram conta da Mesopotâmia e, em 1.900 a.C., transformaram a cidade de Babilônia, situada na margem direita do rio Eufrates, em sua capital.
Os babilônios adotaram o estilo da escrita dos sumérios, conhecida como escrita cuneiforme. Como nesta época não existia papel, faziam-se marcas em forma de cunha em tabletes de argila úmida usando estiletes. Depois disso, os tabletes eram secados ao sol. Muitos deles se mantiveram praticamente intactos até os dias de hoje e são a prova de que os babilônios eram, além de exímios contadores de quantidades, muito bons nos cálculos.
O sistema numérico sexagesimal
Além da escrita cuneiforme, os babilônios também adotaram o sistema numérico de base 60. Foram eles que dividiram o dia em 24 horas, a hora em 60 minutos e o minuto em 60 segundos. Os 60 minutos e os 60 segundos são uma prova viva da eficiência do sistema sexagesimal e uma herança dos sumérios e babilônios que persiste até os dias de hoje. Apesar do sistema numérico decimal ser o mais difundido na atualidade, ainda anotamos as horas como 3:15:20 (ou 3 horas 15 minutos e 20 segundos) e dificilmente alguém se lembra de que, usando algarismos arábicos, estamos querendo dizer 3 + 15/60 + 20/3600.
Se no sistema decimal existem 10 algarismos diferentes, de 0 a 9, então no sistema sexagesimal serão necessários 60 algarismos diferentes, de 0 a 59. Acontece que os babilônios fizeram um mistura interessante para compor seus números: usaram a base 10 para associar símbolos que correspondiam aos 60 "algarismos" necessários. Os símbolos básicos, usados para expressar as quantidades 1 e 10, são os mostrados na figura 1. Os símbolos para expressar quantidades de 2 a 9 encontram-se na figura 2. As dezenas de 10 a 50 podem ser vistas na figura 3.
De acordo com as figuras 1 e 2, é possível obter os símbolos para os valores de 1 a 10. Os demais são "algarismos compostos". Para indicar 11, por exemplo, usa-se o símbolo do 10 seguido do símbolo do 1. Para escrever 25, usa-se o símbolo do 20 seguido do símbolo do 5. Desta forma, é possível obter todos os "algarismos", de 1 a 59. E o zero? Bem, os babilônios já tinham o conceito do zero e, como este não era nenhuma quantidade, indicavam-no com um espaço vazio.
Tarefa 1: Para fixar bem este modo diferente de expressar quantidades, a primeira tarefa desta aula é montar uma tabela com os valores babilônicos de 0 a 59. Como desenhar as figuras cuneiformes é um pouco trabalhoso (porque hoje em dia usamos caneta esferográfica e papel ao invés de tabletes de argila ), sugiro que você use a tabela da Escolinha da Aldeia, mostrada a seguir.
Não vale fazer corpo mole. Capriche na tarefa porque os algarismos babilônicos vão servir para várias outras atividades!
A notação sexagesimal babilônica
Não há dúvida de que os babilônios adotaram o sistema na base 60 dos sumérios e acadianos. Se fizeram isto, porque é que se dá tanta importância aos babilônios? É porque introduziram um conceito importantíssimo, que alguns consideram como sendo a maior aquisição já realizada na matemática: um sistema numérico posicional.
Sistemas numéricos posicionais possuem algumas características importantes. Para ilustrar duas delas usaremos como exemplo o valor 12345 no sistema decimal (com o qual estamos mais familiarizados):
- O número deve ser lido da esquerda para a direita, ou seja, começamos pelo 1.
- Parece meio ilógico, mas, quando lemos apenas o primeiro dígito do número, não podemos prever o valor que iremos encontrar. É preciso ler todos os dígitos para descobrir qual é a potência de 10 associada a este dígito.
O número 12345, na verdade, representa (1 x 104) + (2 x 103) + (3 x 102) + (4 x 101) + (5 x 100), ou seja, 10.000 + 2.000 + 300 + 40 + 5. O valor de cada casa decimal é multiplicado pela base numérica elevada a uma potência que corresponde à sua posição.
Se mudarmos a base do sistema numérico, o valor representado por 12345 também muda. Por exemplo, se a base for 6, o número 12345 representa (1 x 64) + (2 x 63) + (3 x 62) + (4 x 61) + (5 x 60), que corresponde a (1 x 1296) + (2 x 216) + (3 x 36) + (4 x 6) + (5 x 1) = 1296 + 432 + 108 + 24 + 5 = 1865. Se a "mecânica" dos sistemas numéricos posicionais ficou clara, a lição a seguir não deve ser difícil de fazer
Tarefa 2: Qual é o valor decimal de 12345, escrito na base 8? E se a base for 4? É possível encontrar o valor decimal de 12345 escrito num sistema numérico de base 4?
Conhecendo a influência da base de um sistema numérico, podemos expressar o valor 12345 no sistema dos babilônios: (1 x 604) + (2 x 603) + (3 x 602) + (4 x 601) + (5 x 600) = (1 x 12.960.000) + (2 x 216.000) + (3 x 3.600) + (2 x 60) + 5 x 1) = 12.960.000 + 432.000 + 10.800 + 120 + 5 = 13.402.925. Este é o valor decimal de 12345 escrito no sistema sexagesimal.
"Probleminhas" com a notação babilônica
O sistema decimal (base 10) possui 10 algarismos diferentes se incluirmos o zero. O sistema babilônico (base 60) possui 59 símbolos e o zero, ou "nada", é representado por um espaço. Acontece que existem símbolos compostos no sistema babilônico, por exemplo, o "algarismo" 23. Se não separmos de alguma forma as casas, não é possível saber se 12345 é o valor que calculamos acima ou se é 1 23 4 5 que corresponde ao valor (1 x 603) + (23 x 602) + (4 x 601) + (5 x 600) = (1 x 260.000) + (23 x 3600) + (4 x 60) + (5 x 1) = 260.000 + 82.800 + 240 = 5 = 343.045. Se forem deixados espaços entre os algarismos vai haver confusão com o zero, que é representado por um espaço. O jeito é usar delimitadores, por exemplo vírgulas. Aplicando-se esta convenção eliminamos eventuais dúvidas e fica claro que 1,2,3,4,5 é diferente de 1,23,4,5.
Resolvida a notação dos valores inteiros, resta convencionar como será a notação de valores fracionários. Por exemplo, no sistema decimal, quando escrevemos 0.125 queremos dizer 1/101 + 2/102 + 5/103. Transformando estas frações para a mesma base, obtemos (1 x 100)/(10 x 100) + (2 x 10)/(100 x 10) + 5/1000 = 100/1000 + 20/1000 + 5/1000 = 125/1000. Esta fração pode ser simplificada para 25/200 = 5/40 = 1/8. No sistema babilônico podemos representar o mesmo valor como 0;7,30. O ponto e vírgula pode ser usado para separar a parte inteira da fracionária, ou seja, 0;7,30 indica que há 0 inteiros. Já a parte fracionária, analogamente ao sistema decimal, é representada por 7/601 + 30/602. Transformando estas frações para a mesma base obtemos 7/60 + 30/3600 = (7 x 60)/(60 x 60) + 30/3600 = 420/3600 + 30/3600 = 450/3600 e, simplificando o resultado, chegamos a 450/3600 = (2 x 32 x 52) / (24 x 32 x 52) = 1/23 = 1/8.
Tarefa 3: Calcule o valor decimal de 10,12,5;1,52,30.
Transformando valores decimais em sexagesimais
Já vimos que, para transformar valores sexagesimais em decimais, basta mudar a base do sistema. Mas como fazer a operação inversa? O método mais simples para transformar valores decimais em sexagesimais (ou em valores de qualquer outra base) é o das divisões sucessivas. Tomemos como exemplo o valor decimal 53429. Os algarismos sexagesimais podem ser determinados da seguinte maneira:
53429 ÷ 60 = 890 e resta 29 890 ÷ 60 = 14 e resta 50 14 ÷ 60 = 0 e resta 14
Os algarismos que compõem o número sexagesimal são os restos encontrados, dispostos na ordem inversa, ou seja: 14,50,29. Para conferir o resultado, é só fazer a conversão inversa que já conhecemos: (14 x 602) + (50 x 601) + (29 x 600) = (14 x 3600) + (50 x 60) + (29 x 1) = 50400 + 3000 + 29 = 53429.
Tarefa 4: Encontre os algarismos sexagesimais que compõem os valores decimais 147 e 21609. Como seria a notação destes mesmos valores no sistema de base 30?
Fontes
- School of Mathematics and Statistics da Universidade de St. Andrews, na Escócia.
Respostas dos problemas propostos
As respostas dos problemas propostos neste módulo você encontra em Cola dos babilônios. Se você tiver mais alguma dúvida ou quiser deixar seu comentário, use o formulário a seguir.