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Criptografia Numaboa

O segredo do terceiro livro (Trithemius)

Qui

29

Set

2005


04:33

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OS ESCRITOS DE UM CLÉRIGO DO SÉCULO XVI PARECEM SER ENSINAMENTOS DO OCULTO. MAS SUAS PALAVRAS CONTÉM UM SEGREDO MAIS PROSAICO.
Suas brincadeiras assustaram e confundiram a Europa Renascentista.

Trithemius
Johannes Trithemius
(1462-1516)

Johannes Trithemius, um abade alemão, estudioso de renome e conselheiro do Imperador Maximiliano I, encontrou uma maneira de entregar mensagens em 24 horas (wink melhor que o Sedex 10!) sem fazer uso de cartas, livros ou mensageiros. O que ele queria dizer com isso? Que era capaz de projetar imagens na lua? Que poderia se comunicar telepaticamente? Será que este importante homem de Deus trabalhava com a ajuda de demônios?

O mistério persistiria por séculos, sem dúvida alguma para o deleite de Trithemius, que parecia estar tão interessado na autopromoção quanto nas suas ocupações intelectuais. Ele publicou seu segredo num livro fino que, pela capa, seria um livro de texto sobre o oculto, levando a Igreja Católica a proibí-lo. Mas, cerca de 500 após Trithemius ter usado sua pena, um professor alemão do Colégio La Roche, Thomas Ernst, desvendou o segredo.

Ernst descobriu que o livro III não é um tratado de astrologia. Muito pelo contrário. O que os ocultistas modernos continuam considerando um manual de magia negra é na verdade um exercício de cifragem empregando um sistema de cifras que substitui letras por números. Ernst constatou que todas as referências a espíritos de outros mundos e instruções de como fazer talismãs foi uma cortina de fumaça eficiente, um mero pretexto para incluir longas tabelas de números. Trithemius não foi um mago, foi um mestre do ilusionismo. Sua única mágica é a mágica das palavras.

A técnica de encriptação que Trithemius empregou é uma versão precoce e primitiva da que, alguns séculos mais tarde, seria empregada na máquina Enigma, um dispositivo engenhoso que os alemães usaram durante a Segunda Guerra Mundial. Até mesmo versões mais sofisticadas são usadas hoje em dia para, entre outras coisas, cifrar mensagens de telefones celulares.

Como acontece com alguma frequência, um segredo guardado por muito tempo, de repente, é desvendado por duas pessoas de forma independente. Ernst quebrou a cifra de Trithemius em 1993 e publicou um relatório de 200 páginas em alemão no jornal holandês Daphnis em 1996. Logo em seguida, Jim Reeds, um matemático da AT&T Labs em Florham Park, N.J., Estados Unidos, também o fez. "Pensei que isto poderia realmente fazer com que as pessoas se espantassem", relembra Reeds sobre o que pensou após resolver esta charada de 500 anos. Mas, enquanto preparava seu próprio relatório para ser publicado num jornal de criptologia, ele tropeçou no escrito de Ernst. "Meu coração afundou", disse ele decepcionado ao perceber que não tinha sido o primeiro.

Ernst
Thomas Ernst,
professor do La Roche College,
com uma cópia da Steganographia.
(Tony Tye, Post-Gazette)

Apesar da descoberta de Ernst não ter conseguido maior notoriedade, uma reportagem posterior no New York Times (veja referência no rodapé) chamou atenção. Reeds, então, preparou seu documento para ser publicado num jornal de criptologia.

Foi pura coincidência Ernst ter chegado a Trithemius. Sem ser um estudioso de criptologia nem do oculto, Ernst, um professor de línguas nascido no norte da Alemanha, aos 40 anos foi para os Estados Unidos continuar seus estudos. Após completar seu doutorado na Universidade de Pittsburgh, tomou conhecimento da criptologia através do professor de Alemão Klaus Conermann. Especialista nos períodos da Renascença e do Barroco, Conermann mostrou a Ernst uma cifra musical - uma partitura com uma mensagem camuflada em forma de notas musicais. Após Ernst ter decifrado a mensagem, Conermann sugeriu que ele enfrentasse um quebra-cabeça mais substancial - o famoso Livro III da trilogia Steganographia de Trithemius.

A proposta lançou Ernst numa pesquisa intelectual que iria envolver não apenas a decifração do livro, mas também a tarefa mais complexa de decifrar o enigma do homem Trithemius. "Ele foi realmente um homem que se fez sozinho", diz Ernst, "aos 20 anos entrou no severo mosteiro de Sponheim. Rapidamente tornou-se o abade e começou a transformar Sponheim numa das bibliotecas mais importantes da Europa que, ao redor de 1506, possuía alguns milhares de livros".

Durante a Renascença, os mosteiros eram mais do que simples residências e centros de meditação. Eram centros acadêmicos e os monges copiavam textos manualmente. Trithemius, quando não estava ocupado com os monges que se queixavam de cãimbras dos escritores, construía uma reputação de reformador monástico. Ganhou notoriedade como bibliógrafo e foi um prolífico escritor de histórias e crônicas. Entre 1498 e 1500, produziu a Steganographia, um título derivado do Grego e que significa "escrita oculta". Os livros foram um marco na história da criptologia, os primeiros textos europeus dedicados à criptografia.

Os primeiros dois livros da trilogia foram escritos de forma convencional, ambos explicando como cifrar mensagens e depois dando exemplos. Uma das técnicas, por exemplo, era a de substituir cada letra de uma mensagem por uma palavra. Depois, as palavras eram arrumadas numa prosa desajeitada, geralmente em forma de sermões ou orações piedosas. Apesar da natureza séria do texto cifrado, as mensagens claras, com frequência, eram jocosas. "Não aceite este monge; ele gosta de beber bom vinho e é estranho", dizia uma. "Jacob Seitz quer te esfaquear; cuidado", dizia outra.

Para Ernst, isto parecia um comportamento muito arriscado para um monge beneditino. "Porque alguém que, representando a Igreja, usaria da religiosidade para dizer coisas irreverentes?", admira-se ele. Mas, como Trithemius iria demonstrar no seu Livro III, ele gostava de brincar com o perigo.

Diferentemente dos dois primeiros livros, o terceiro volume não inclui um manual de como produzir cifras. Ao invés disso, Trithemius faz com que pareça um tratado astrológico. Seu sistema de comunicação, como explicado por ele, consiste em conjurar uma das 28 "inteligências planetárias" ou espíritos, quatro para cada um dos sete planetas conhecidos na época. Fornece instruções detalhadas de como enviar mensagens: usando tinta de óleo de rosas, desenhe a figura de um dos espíritos planetários, desenhe a figura da pessoa que deve receber a mensagem, dobre as folhas junto, envolva-as em linho branco, coloque num recipiente e esconda o recipiente. Um prato cheio para quem gosta de rituais smile

Trithemius incluiu tabelas de números, supostamente para calcular os ângulos relacionados a cada um dos espíritos. Na verdade, estes números são o ponto central do tratado de 22 páginas - são as mensagens cifradas!

Jim Reeds
Jim Reeds
Matemático da AT&T Labs
em Abril de 98

Tanto Ernst, quanto Reeds, tiveram os mesmos palpites em relação ao código. Ao analisarem as linhas de números, os padrões sugeriam mensagens que estavam sendo repetidas. No entanto, cada vez que a mensagem era repetida, os números aumentavam em 25. Por exemplo, se Mississippi fosse cifrado como 1-2-3-3-2-3-3-2-4-4-2 na primeira iteração, seria repetido como 26-27-28-28-27-28-28-27-29-29-27 na segunda. Parecia que Trithemius havia preparado 28 versões diferentes (uma para cada "inteligência planetária") de um alfabeto de 25 caracteres.

A questão passou a ser: qual alfabeto? No século XV, o alfabeto latino ainda estava em evolução. Por exemplo, alguns alfabetos usavam "uu" ou "vv" ao invés de "w" e o uso da letra "y" estava apenas começando. O alfabeto de Trithemius não contém "j", "k", "u" e "y". Inclui "th", da letra grega teta, "sch" do hebreu e "tz" não se sabe de onde. Trithemius escreveu o livro em Latim, mas algumas das mensagens estão em Alemão. Uma delas é o equivalente em Latim de "The quick brown fox jumps over the lazy dog". Outra era o começo do 21° Salmo. Uma terceira lembra o estilo dos dois primeiros livros: "O portador desta carta é um patife e um ladrão".

Em 1506, Trithemius mostrou o livro a um matemático francês que estava de visita no mosteiro. O matemático deixou-se iludir pelas armadilhas do pseudo-ocultismo e não percebeu o conteúdo criptográfico. Trithemius, satisfeito com o resultado, não se deu ao trabalho de corrigí-lo. Após sua partida, o matemático começou a espalhar histórias de como Trithemius conjurava espíritos e usava as suas forças. A controvérsia foi grande mas, aparentemente, não afetou a atividade de Trithemius como conselheiro da nobreza. Ele foi capaz de contornar a situação e continou como conselheiro do imperador Maximiliano. Supostamente, depois da morte da noiva de Maximiliano, Trithemius montou uma ilusão durante a qual Maximiliano foi capaz de ver, mas não de tocar, os espíritos da sua noiva morta e alguns de seus antepassados. "Ninguém sabe se isto é uma lenda ou se ele fez um 'David Copperfield'", disse Ernst, "mas, depois disso, ficou com a fama de feiticeiro da morte".

As controvérsias sobreviveram à morte de Trithemius. Em 1676, Wolfgang Ernst Heidel, conselheiro do Arcebispo de Mainz, propagou que havia decodificado o Terceiro Livro. Heidel, porém, causou consternação ao cifrar sua solução, fazendo com que muitos não acreditassem no que afirmava. Reeds e Ernst, depois de decifrarem a solução de Heidel, garantem que ele estava certo.

Livro III

Apesar do Terceiro Livro de Trithemius ser importante na história da criptografia, Reeds comentou que "o ato de decifrá-lo foi bastante simples. Crianças em idade escolar são capazes de fazer este tipo de decifração". Ernst precisou de duas semanas para fazê-lo e Reeds terminou a tarefa em dois dias. Então, porque é que ficou oculto por tanto tempo? Em parte devido à forma de reprodução de livros do século XVI. Pelo que se sabe, o manuscrito original de Trithemius foi queimado e as cópias começaram a ser feitas a partir de outras cópias. Quando se fazem cópias, é comum cometer erros na transcrição de listas de números aparentemente sem sentido. Por outro lado, os padrões numéricos que parecem óbvios para leitores modernos podem ter sido mais difíceis de discernir no século XVI. Naquela época, usava-se um ábaco ou dispositivo semelhante para fazer cálculos. A aritmética, a arte de calcular usando números escritos, estava apenas começando a se popularizar. Talvez tenham sido estas as razões do segredo permanecer intocado por tanto tempo. Em todo caso, por estas ou por outras razões, o fato é que a astúcia de Trithemius foi efetiva principalmente porque ele sabia que as pessoas acreditam no que lêem. Se Trithemius disse que sua técnica se baseava em talismãs e espíritos planetários, foi nisto que as pessoas acreditaram.

Mesmo hoje, uma pesquisa na Internet buscando "Trithemius" revela dezenas de links para sites que versam sobre o oculto e, excepcionalmente, algum que fala sobre criptografia. Quinhentos anos não foram suficientes para desfazer a cortina de fumaça...

Fontes
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