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Três regras para a Física Quântica
Qui 18 Nov 2004 22:00 |
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- Categoria: Laboratório de Física Quântica
- Atualização: Quarta, 13 Janeiro 2010 23:41
- Autor: Mendonça
- Acessos: 23583
1. AS REGRAS DA FÍSICA QUÂNTICA
Chegou a hora de dizer quais regras são essas que a física quântica impõe sobre as tentativas dos físicos em descrever a natureza. Como mostra a definição, a física quântica é um fundamento matemático, e portanto as regras têm um forte apelo matemático.
Nessa primeira apresentação dos postulados, eu vou tentar suprimir toda a matemática que eu conseguir, mantendo o estritamente necessário para entender o algoritmo de Deutsch (no futuro, teremos a oportunidade de fazer o inverso: colocar toda a matemática envolvida e entender porque cada nuance matemática é importante).
Mesmo assim, não nos livramos de toda a matemática, mas o que resta dela é realmente elementar, tipicamente coberto nos cursos do ensino médio. Por isso, na exposição que se segue, eu assumo conhecidos para o leitor os conceitos de matrizes, multiplicação de matrizes e números complexos.
1.1 Postulado 1 - ESTADO
O estado de um sistema físico fechado é totalmente descrito por uma matriz de n linhas e 1 coluna preenchida com números complexos. Além disso, os números complexos devem ser tais que se somarmos os módulos elevados ao quadrado de todos os elementos da matriz, o resultado deve ser igual a 1.
Se isso soou confuso, vamos tentar esclarecer.
O primeiro ponto a ser discutido vem já nas primeiras palavras do postulado: o que é que se quer dizer com estado de um sistema físico? Essa é uma ótima pergunta! A resposta padrão é que o estado é a representação do que um observador conhece sobre o sistema em questão. Toda vez que falarmos em estado, é a esse conceito que estaremos nos referindo, porém, vale destacar que, como muitos conceitos da física quântica, essa noção de estado é bastante polêmica (no futuro deveremos ter a oportunidade de entender o por que).
E o que é um sistema físico fechado? A palavra fechado aparece para frisar que o sistema está isolado do resto do universo, ou seja, ele não interage com o ambiente ou com qualquer outro sistema que se encontre em suas vizinhanças. É verdade que essa é uma hipótese difícil de aceitar, mas em muitos casos a interação de um sistema com o ambiente é realmente desprezível, validando a aproximação de sistema fechado. De qualquer forma, a física quântica também se ocupa do estudo de sistemas abertos, mas essa é uma outra história.
Agora vem a parte mais fácil. O estado do sistema é descrito por uma matriz-coluna de números complexos, tais que a soma dos módulos ao quadrado de todos os elementos é igual a 1, ou seja, se chamarmos o estado do sistema de V, podemos representá-lo por
Nota sobre notação: Numa matriz V, os elementos são representados por Vij, onde i indica o número da linha (filas horizontais) e j o número da coluna (filas verticais) em que o elemento se encontra, determinando inequivocamente sua posição. Numa matriz-coluna, obviamente todos os j serão iguais a 1, como mostrado acima. Nossa matriz-coluna tem, a priori, um número indeterminado de linhas, por isso fizemos o indíce i variar de 1 até n (onde n é um número inteiro e positivo qualquer). Os elementos intermediários estão representados por e por ··· . Por razões que ficarão claras mais adiante, os elementos dessa matriz-coluna são chamados de amplitudes de probabilidade.
O número de elementos da matriz-coluna acima (n) varia dependendo do quão complicado é o sistema em questão, e normalmente dá-se a ele o nome de dimensão ou grau de liberdade.
Temos aqui já uma razoável quantidade de informação para digerir; um exemplo seria providencial para incorporar todos esse conceitos. Mas se você pensar um pouco, vai concluir que, nesse caso, não é tão simples conseguir um exemplo para esclarecer as coisas. Isso porque um exemplo tem a função de trazer para o terreno conhecido um assunto desconhecido. E este é todo o nosso problema aqui: como vamos trazer para um terreno conhecido uma teoria desenvolvida para descrever fenômenos que não experimentamos, isto é, desconhecidos à nossa percepção? Nesse caso um exemplo tem tudo para não dar certo, mas vamos tentar mesmo assim...
Vamos descrever o resultado do lançamento de uma moeda, um fenômeno inquestionavelmente clássico (para o qual temos bastante intuição). Para isso, vamos usar o que foi estabelecido no primeiro postulado da física quântica.
Depois que a moeda cai e pára de rodopiar, o nosso conhecimento sobre o sistema consiste em saber se a face exposta é cara ou coroa. De acordo com o primeiro postulado, isso pode ser representado através de matrizes-coluna, por exemplo:
Essa representação deixa claro que o número de cima da matriz se relaciona com a probabilidade do resultado ser cara, e o número de baixo com a probabilidade do resultado ser coroa. Assim, um resultado cara é 100% cara e 0% coroa, e o resultado coroa é 0% cara e 100% coroa.
Note que, nesse caso, somente 2 dimensões foram suficientes para descrever o estado da moeda (se estivéssemos descrevendo um dado, precisaríamos de 6 elementos na matriz, ou seja, 6 dimensões). Além disso, é fácil verificar que nossas matrizes respeitam a condição de normalização do primeiro postulado, isto é: a soma dos módulos ao quadrado de todos os elementos da matriz dá 1, afinal
Até aqui, ao contrário do que esperávamos, nosso exemplo vem se mostrando um sucesso! Vamos aproveitar a boa maré para levá-lo um pouco mais adiante.
Considere agora que aquela mesma moeda foi colocada numa caixa hermeticamente fechada, tal que você não possa mais vê-la. Você sacode a caixa e então se pergunta: como eu vou descrever o estado dessa moeda lá dentro da caixa?
Agora você não sabe se o resultado foi cara ou coroa, mas não há dúvida de que foi uma coisa ou outra. Embora possa parecer que não, mesmo nesse caso você tem alguma informação sobre o sistema: considerando que a moeda não era viciada, é tão provável que o resultado seja cara quanto coroa. Logo, devemos ser capazes de escrever um estado para essa moeda. Como seria esse estado?
Naturalmente ele tem o mesmo número nos dois elementos de matriz, pois a cara é tão provável quanto a coroa. O número que satisfaz a condição de normalização é , e portanto o estado deve ser
Significando que o resultado foi cara com 50% de probabilidade, ou coroa com os outros 50%; ou, o que é equivalente, se você repetir o experimento um número enorme de vezes, metade das vezes você vai obter cara e na outra metade coroa (note que a probabilidade é o módulo da amplitude de probabilidade elevado ao quadrado:
Ora, você deve estar pensando, o que tem de novo nisso? Tudo o que foi dito parece não passar de uma linguagem elaborada para descrever uma situação corriqueira e sem nenhum atrativo. Qual é a novidade desse tal de primeiro postulado então? Por que o exemplo está funcionando tão bem, ao contrário do que esperávamos?
Realmente o exemplo ilustra muito bem a construção das matrizes representantes do estado, mas não basta construir as matrizes se você não aprecia o significado do seu resultado. Para que eu possa deixar mais claro aonde estou querendo chegar, vamos dar uma olhada mais atenta para a equação (5). Várias leituras podem ser feitas sobre um objeto como este isoladamente, e certamente a leitura clássica que fizemos é válida, mas não única.
Como dissemos, aquele estado indica que numa repetição do mesmo experimento os resultados se dividirão igualmente entre cara e coroa. Mas ele também não poderia indicar que o resultado foi cara e coroa, simultaneamente? (permita-se pensar que esse é um resultado possível, como você o representaria na forma de estado?). Você talvez esteja pensando que é loucura levantar uma hipótese como essa, mas é exatamente essa a leitura que a física quântica faz para estados como este.
Não é surpresa que pareça loucura, afinal nós não vemos moedas darem carem e coroa por aí. Como eu havia dito, o exemplo não podia funcionar direito – em algum momento alguma coisa estranha iria acontecer. Na verdade essa coisa só é estranha porque estamos falando de moedas, mas no mundo microscópico esse comportamento é normal! São os chamados estados de superposição, que como veremos, são fundamentais para o Algoritmo de Deutsch, e talvez a maior de todas as novidade da física quântica (e elas só estão começando)
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