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Laboratórios

Introdução

Qui

18

Nov

2004


22:00

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1. O PAPEL DAS PERGUNTAS NA CIÊNCIA

Suponha que você nunca tenha ouvido falar em física quântica (se isso for verdade, melhor ainda, podemos descartar essa primeira consideração), mas por qualquer motivo decidisse ter uma noção do assunto. Quais seriam as perguntas que você se faria pra começar? Que respostas alguém deve esperar encontrar na física quântica?

Quando eu penso nisso, percebo que perdi a grande oportunidade de fazer perguntas livremente, quando essa teoria era terreno virgem para mim. A minha introdução a ela foi conduzida num curso formal de bacharelado em física, e em cursos como esses, normalmente as respostas vem antes que estejamos prontos para perguntá-las. O triste dessa situação é que, conhecendo as respostas de antemão, pensar em perguntas diferentes torna-se surpreendentemente difícil. É como se só nos permitíssemos perguntar aquilo que já aprendemos a responder.

Por isso, antes de continuar lendo esses textos, aproveite a liberdade do seu desconhecimento para elocubrar à vontade sobre o que você acha que é física quântica, para que ela serve e o que ela busca responder. Acredite, o alcance dela pode ir muito além da sua imaginação. Para se ter uma idéia, essa teoria nasceu em 1900, com a solução de um problema particular que parecia sem saída para os cientistas da época. Hoje ela é usada, entre muitas outras coisas, para transmitir informação de forma absolutamente segura – a criptografia quântica. Quem, nos idos de 1900, poderia pensar nisso?

Das suas perguntas, posso apreciar três conseqüências:

  1. Você pode perguntar coisas que não são da alçada da física quântica mesmo;
  2. Você pode perguntar coisas que a física quântica já respondeu (e eventualmente as respostas aparecerão por aqui qualquer dia desses);
  3. Você pode perguntar coisas que a física quântica pode responder, mas não está nos livros simplesmente porque ninguém tinha pensado em perguntar.

O primeiro caso é o que se costuma chamar de delírio, o segundo caso é o estudo, e o terceiro é a pesquisa. O mais difícil dessa classificação é distingüir entre delírio e pesquisa, e essa fronteira incerta é uma ameaça constante a reduzir a delírio muitos anos do que parecia pesquisa. Mas como saber? Quando nos confrontamos com um problema como esse, a melhor solução é "deixar pra lá". Neste caso, "deixamos pra lá" perguntando livremente, se as perguntas fazem sentido ou não, só o tempo dirá.

2. DIVISÃO DE TAREFAS

Para a discussão que iniciaremos na próxima seção, alguns conceitos preliminares sobre a física quântica serão necessários. A preocupação aqui é com o leitor que até hoje não teve nem uma "conversa de botequim" sobre o assunto, ou seja, as idéias introduzidas nessa seção são as mais elementares (e menos técnicas) possíveis.

Vamos começar com algumas definições [1]:

A física quântica é um fundamento matemático, ou um conjunto de regras, para a construção das teorias físicas.

Para os amantes da computação, fica mais fácil entender essa sentença da seguinte forma:

A física quântica é como um sistema operacional, ela dita certos parâmetros básicos e modos de operação que são respeitados por todos aplicativos, mas deixa liberdade suficiente para que os mesmos realizem tarefas específicas das mais diversas formas.

Mas para quê definir novas regras? Se já havia teorias físicas antes do advento da física quântica, certamente já havia regras também. Por que, então, elas tiveram que ser abandonadas?

Se é isso que você está pensando, vamos devagar aí! De fato já existiam "regras" para fundamentar as teorias anteriores ao advento da física quântica, elas constituem o que hoje se chama física clássica. Todavia, a física clássica não foi abandonada com o surgimento da quântica; simplesmente se compreendeu que, sob certas condições, ela levava a alguns absurdos (resultados não verificados experimentalmente), e portanto sua área de aplicação não era tão vasta quanto se costumava pensar.

Quando é que a física clássica não funciona? Basicamente quando tentamos usá-la para descrever coisas muito pequenas como moléculas, átomos e partículas elementares (elétrons, prótons, etc). Para esses casos foi criada a física quântica, que no fundo é como uma receita de bolo, dizendo quais ingredientes devemos usar para fazer os resultados das contas reproduzirem os resultados dos experimentos. E funciona muito bem! O problema é que, tendo sido criada com a motivação de fazer as coisas "baterem", as regras isoladamente não são muito bem entendidas, levando a muitas polêmicas e controvérsias interpretativas. Contudo, usar as regras para resolver problemas é algo muito bem estabelecido.

Finalmente, como tudo é feito de átomos, a física quântica é a teoria de tudo. Então, para quê física clássica? Se fôssemos tratar um objeto macroscópico com a física quântica, cada partícula microscópica teria que ser levada em conta, o resultado seria um trabalho interminável e extremamente difícil. Por isso, embora seja verdade que a natureza de tudo é quântica, a física clássica ainda cumpre um papel fundamental na exploração e entendimento do mundo macroscópico. Nesse sentido é que dividimos as tarefas, atribuindo à física clássica a solução dos problemas macroscópicos, e à quântica as questões microscópicas.

3. ALGUMAS BOAS PERGUNTAS

No início da década de 80, surgiram algumas daquelas perguntas que, até hoje, ninguém sabe dizer se são pesquisa ou delírio, mas muitos cientistas vem dedicando suas vidas para descobrir. A historinha abaixo deve servir para ilustrar o cenário.

Um certo dia, o afamado físico norte-americano Richard P. Feynman estava muito aborrecido. Suas simulações de sistemas quânticos rodando em seu computador nunca terminavam e invariavelmente travavam no meio. De certo que o problema não era com o "computador anos 80" do Feynman pois, com sua máquina do tempo, ele veio até o ano de 2004, e mesmo rodando o programa nos mais poderosos computadores atuais, sempre faltavam recursos para concluir a rotina; além disso, Feynman era um sujeito muito esperto, e certamente o algoritmo dele não era desnecessariamente complexo. Qual era o problema então?

O fato é que os computadores clássicos do Feynman se mostravam extremamente ine- ficientes para simular sistemas quânticos, e então, sobressaltado, ele exclamou num momento de ira (provavelmente depois de perceber que a máquina havia travado depois de dias esperando pelo resultado): "Só mesmo um computador baseado nos princípios da física quântica pra rodar essas simulações de sistemas quânticos!"

Feynman devia estar com muita raiva, porque seu grito foi tão forte que pode-se ouví-lo do outro lado do oceano Atlântico, na Inglaterra, onde um outro físico famoso, David Deutsch, tomava seu chá. Passado o susto, Deutsch transformou aquele "lamento transatlântico" em algumas boas perguntas:

  1. Como definir um dispositivo computacional capaz de simular eficientemente qualquer sistema físico?
  2. Um computador quântico (como proposto por Feynman), nos habilitaria a simular qualquer sistema físico?
  3. Ainda que o computador quântico não seja hábil a simular qualquer sistema físico, o que ele pode fazer de intrinsicamente novo?

Não é difícil perceber que as perguntas estão em ordem decrescente de dificuldade, o difícil é assumir que, nos dias atuais, a física só consiga esboçar uma resposta para a terceira... De fato, o próprio Deutsch, em 1985, começou a respondê-la através de um exemplo simples: ele encontrou uma tarefa que um computador quântico poderia resolver mais eficientemente que um computador clássico. Para entender esse exemplo, hoje conhecido como Algoritmo de Deutsch, algumas primeiras noções de física quântica se fazem necessárias, é o que tentaremos suprir no nosso próximo número.

Quanto às outras perguntas, tratam-se de questões absolutamente abertas da física atual, portanto, talvez sejam delírios ou talvez autêntica pesquisa. Sejam o que for, sem dúvida são boas perguntas.

Observações: Parece-me desnecessário dizer que, até onde eu sei, máquinas do tempo não existem (assim como gritos que atravessam mares também não). Em todo o caso, é sempre bom frisar: a história acima é uma obra de ficção, embora nem todas semelhanças com fatos reais sejam meras coincidências.

REFERÊNCIAS

[1] M. A. Nielsen e I. L. Chuang, Quantum Computation and Quantum Information, Cambridge University Press (2000).

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