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Laboratórios

O Algoritmo de Deutsch

Qui

25

Nov

2004


22:00

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3.2 Usando a "Caixa Preta Quântica"

Basicamente, o que podemos fazer agora (e não podíamos antes) é entrar |x

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Agora, basta substituir esses estados no lado direito da equação (1). Façamos isso passo a passo, começando com a substituição do estado |y

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Como f(x) só pode ser 0 ou 1, Image, o que simplifica a primeira soma binária. Além disso, o fator comum Image pode ser colocado em evidência, levando o estado acima à forma

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Note ainda que, se f(x) = 0, os colchetes resultam em [|0f(x) = 1, os colchetes resultam em −[|0f(x) (|0Uf, com aquele |y

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Resta ainda substituir o estado |x

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É claro que todas essas etapas são meras conveniências matemáticas, objetivando uma melhor compreensão do caminho abstrato que leva ao resultado real (obtido experimentalmente). Porém, na prática, a caixa preta não substitui primeiro um estado e depois o outro, e também ela não precisa se preocupar em simplificar as expressões (afinal, quem disse que ela precisa de expressões?!). No mundo real, o resultado simplesmente "acontece" depois de 24 hs que alimentamos a caixa.

As linhas matemáticas acima são abstrações lógicas com o único compromisso de conduzir ao resultado correto. Se o caminho que a natureza percorre é o mesmo caminho que mostramos matematicamente, realmente não sabemos (mas é extremamente provável que não seja); tudo que sabemos é que a matemática vem se mostrando uma excelente ferramenta para chegar a resultados concordantes com os experimentos, e é por isso que continuamos a usá-la. Há muito para se dizer sobre essa "inexplicável eficiência da matemática nas ciências naturais", mas isso é uma outra longa história... Para quem estiver interessado, a referência [3] é um excelente ponto de partida.

Voltemos à equação (3), há coisas fantásticas impressas nesse estado de duas "moedas". O estado da primeira "moeda" (termo entre colchetes) mostra que os valores de f(0) e f(1) estão simultaneamente calculados, aparecendo nos expoentes de (-1). Já o estado da segunda "moeda" (termo entre parêntesis), não tem nada a ver com a função f, portanto não nos preocuparemos com ele.

O fato de termos obtido f(0) e f(1) na expressão do estado da primeira "moeda" representa algo sem precedentes clássicos. Ao alimentarmos a caixa preta com estados superpostos, forçamo-la a calcular f(0) e f(1) de uma só vez – um fenômeno conhecido como "Paralelismo Quântico" – devido a associação natural com a computação paralela clássica (vários processadores dividindo entre si a responsabilidade de realizar partes distintas de uma mesma tarefa, concluindo-a assim mais rapidamente).

Porém, há ainda um problema sobre esse estado. Embora seja aparente que a função foi calculada simultaneamente em 0 e em 1, a equação (3) não é um objeto real. Trata-se ainda de uma linha de argumentação matemática que não se manifesta empiricamente. O objeto fisicamente significante (real), é o resultado de uma medida realizada sobre um estado como este. Mas, como vimos no terceiro postulado, quando medimos um estado de superposição, obtemos um auto-estado ou outro, nunca a superposição.

Trocando em miúdos, não vamos conseguir acessar toda a informação tão claramente impressa na equação (3). Isso, simplesmente porque essa equação só existe para nós e para a nossa matemática, e como dissemos, a natureza não deve seguir a nossa linha de raciocínio lógico.

Mas nem tudo está perdido, ainda podemos fazer um "remendo" ao estado da equação (3), tal que obtenhamos ainda um outro objeto matemático abstrato, mas dessa vez, medindo-o (transformando-o então em algo fisicamente concreto), vamos conseguir extrair a informação que procurávamos.

O "remendo" é mais uma vez operar uma certa dinâmica ao estado da primeira "moeda", deixando inalterado o estado da segunda. Essa dinâmica (porta lógica de Hadamard), é expressa por uma nova matriz unitária, mas vamos aqui apresentá-la usando a mesma notação que usamos para Uf

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Introduzindo-a na equação (3), resulta

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E colocando em evidências os kets |0

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em que A e B são os seguintes números

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Veja que resultado incrível acabamos de obter:

Se a função f for contínua, então vemos Image, levando o estado acima a forma

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Por outro lado, se a função f for balanceada, acontece que Image, resultando no estado

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Tanto num caso, quanto no outro, o estado da primeira "moeda" não é mais uma superposição, por isso uma medida quântica pode nos informar com certeza se temos "cara" ou "coroa". Assim, se o resultado da medida acusar o colapso para |0

Mesmo tendo concluído a apresentação do algoritmo, ainda há espaço para alguns esclarecimentos. Note que o sinal de A e B ficou indeterminado nos estados acima. Na verdade, o sinal está associado aos valores individuais de f(0) e f(1), mas o problema de Deutsch não exigia que descobríssemos esses valores (mas tão somente que disséssemos se eles eram iguais ou diferentes entre si).

Além disso, ainda que soubéssemos o sinal correto, esse figuraria como uma fase global para os estados, e fases assim podem ser suprimidas da expressão do estado, pois não levam a qualquer modificação sobre os resultados das medidas.

Em suma, o algoritmo de Deutsch não nos informa sobre os valores de f(0) e f(1) individualmente, mas mesmo assim é capaz de revelar se esses valores são iguais ou diferentes – um resultado que só a física quântica poderia nos dar.

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