Acho que a fênix era uma gaivota
Qui 6 Mai 2010 23:13 |
- Detalhes
- Categoria: dalton
- Atualização: Quinta, 06 Maio 2010 23:14
- Autor: Dalton Sponholz
- Acessos: 10090
Uma das coisas interessantes de se morar na praia é que a paisagem nunca é a mesma. O mar redesenha a orla todos os dias. Leva areia daqui pra lá, traz troncos e conchas de lá pra cá, desenterra pedras aqui e cobre de areia outras pedras ali. A maré sobe e desce de novo. O passeio arenoso uma hora é estreito, outra largo, e ora nem existe – é só água. Às vezes com muita espuma, ou sem nenhuma. As ondas tem três metros de altura. Ontem, porque hoje o mar é uma placa de vidro levemente desenhado. A cor da água muda. A cor do céu muda. O horizonte é branco e tem névoa, ou é azul infinito. As ilhas refletem na camada de ar morno dando a sensação de estarem flutuando um dia, em outro são as pontas de algo que sai da água.
Depois de uma tempestade, uma virada de tempo, uma ressaca do mar, tudo é desolação. Sujeira espalhada, entre mato, troncos e cacos. A areia vai embora, o nível da orla desce mais de um metro. As raízes das plantas dos terrenos costeiros aparecem, as pedras enterradas também, bem como as contenções de arame e pedra nas calçadas e construções – que assumem o lugar de chão em alguns trechos. A erosão corrói o que não estiver contido. O mar parece não estar muito a fim de visitas, esbravejando sozinho e espumando de raiva. Os riachos cospem nervosos o estoque das montanhas, já não tem córregos na beira-mar, é tudo correnteza. Não há prazer naquele deserto revirado. Vire as costas e volte pra casa, não rola um passeio.
Meu ex-chefe não esquentava a cabeça quando diretores ou professores nervosos entravam cuspindo fogo em sua sala, desesperados com alguma situação difícil. Para poucos ele se dava o trabalho de procurar uma alternativa para um problema aparentemente insolúvel. E uma vez me disse em off: – Dalton, 80% dos problemas se resolvem sozinhos se não damos bola à eles. Pois sabe que é! Volte para a praia e descubra que, sem que ninguém tenha consertado a paisagem, a areia voltou ao seu lugar e está lisa e varrida, as pedras e troncos estão cobertos, a paisagem está asséptica e convidativa e o passeio largo e tranquilo. Vento virou brisa, cinza azulou e urubu voltou a ser gaivota. A vida se refaz, bom saber que cada inverno é só o anteontem de outro verão!