O esôfago da intimidade
Qui 3 Dez 2009 22:42 |
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- Categoria: dalton
- Atualização: Terça, 02 Fevereiro 2010 19:38
- Autor: Dalton Sponholz
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"Esôfago" significa algo como "eu levo o que foi comido". É o tubo entre a boca e o estômago. Tem uma musculatura de mão única - se tem algo mastigado a ser engolido ele empurra este algo até que chegue ao estômago para ser digerido. Faz isso em mais ou menos dois segundos, e mesmo que o dono dele esteja de cabeça para baixo! Ele não é feito para fazer o caminho inverso. Quando ocorre o vômito, por qualquer motivo que seja, o organismo utiliza contrações para empurrar o conteúdo do estômago no sentido inverso, contra a "vontade" do esôfago - aí vem náuseas, ânsias, sensações horríveis, às vezes sensações de morte, que a gente sente cada vez que vomita. Intimidade também é assim.
A intimidade tem um caminho único. Você se aproxima de alguém, a empatia se gera, a amizade nasce e é cultivada, o alguém ganha importância para seus sentimentos, gera emoções que ganham profundidade, o vínculo se estabelece pra não ser rompido nunca mais. É comum encontrar amigos muitos anos depois e soltar os mesmos sorrisos, usar os mesmos apelidos, abraçar com o mesmo calor. Não interessa se o cabeludo da bermuda agora tá de gel no cabelo e terno, nem se mudou de cidade, de profissão, de linha de interesses, de história. Amigo é coisa pra se guardar no lado esquerdo do peito mesmo que o tempo e a distância digam não, mesmo esquecendo a canção, já diria o Milton.
Mas e a amizade romântica, de casal? Caramba, o que fizeram das relações a dois. Pessoas são tratadas como bens de consumo, escolhe-se companheiros como quem compra um carro. Acelera-se a intimidade física (porque aí o importante é saber se o produto satisfaz) e não se constrói a intimidade real, que é amizade, entrega, renúncia e doação; e que acaba se solidificando em torno da paixão aos trancos e barrancos. Mas paixão tem data de validade, sabia? Comprovada em ambiente de pesquisa acadêmica a paixão é processo biológico e dura de 18 a 30 meses. Não errei, não, é meses, mesmo. Aí o sujeito, ou a sujeita, que escolheu um bom produto, descobre que tá na hora de renovar. Sem aquele vínculo muito bem estabelecido, sem um amor maior, sem uma amizade absolutamente sólida, vale a satisfação pessoal e o lado mais apegado do casal sofre a rejeição. Intimidade, como eu disse, tem uma via de mão única. Forçar a sua desintegração para buscar algo melhor para si mesmo é forçar o esôfago do coração no sentido contrário. É ânsia. É náuseas. É vômito, é sujeira, é intoxicação. É dor. É sensação de morte. E depois? Toma um chá de camomila e começa tudo de novo. Nada saudável.