Se Jean-piaget usasse o computador...
Qui 23 Jul 2009 20:41 |
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- Categoria: dalton
- Atualização: Segunda, 01 Fevereiro 2010 22:47
- Autor: Dalton Sponholz
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Eu fui professor de uma disciplina chamada Tecnologia Digital. Dava aula para futuros publicitários, jornalistas, relações públicas, produtores de rádio e TV e produtores de mídia digital, logo que ingressavam na faculdade. A idéia da disciplina era apenas possibilitar que os alunos, que na maioria não tinham tido nenhum contato com nenhum computador, soubessem ligar um micro qualquer e, se houvessem programas instalados, pudessem editar textos, navegar na internet, conversar via mensagens instantâneas, enviar e receber email, tratar fotografias, desenhar, etc. A maior parte dos alunos engoliam em seco a obrigatoriedade desta disciplina, porque escolheram um curso na área de humanas e não pensavam ter que entrar em contato com nada que lembrasse que fosse matemática, física ou qualquer coisa similar. Entrar em sala pra assistir aula de uma matéria com nome de curso de ciências exatas era como se tivessem sido traídos.
Eu podia simplificar como fosse o conteúdo, falar sobre a utilidade do trem em suas futuras profissões, mostrar o quanto o desconhecimento sobre tecnologia da informação os tornaria quase analfabetos no mercado de trabalho, mas nada motivava a maioria dos alunos a aprender usar computadores. Entrar no laboratório era como levá-los pra uma sala de torturas. Aula em sala era o dia de faltar para ir na confraternização do boteco. Sem bancar o tirano usando do poder da caneta no diário de classe (nos tópicos nota e faltas) era praticamente impossível fazer a maioria realmente se esforçar para aprender.
Depois de alguns meses dando aula, percebi que no intervalo aquele povo aprendia boa parte do que tinha que aprender, sem precisar ser forçado ou examinado! A necessidade natural de inclusão, a presença de colegas que, mesmo em pequeno número, já tinham computadores em casa e já dominavam o bicho, a vontade de se relacionar (e o universo que a internet abre), tudo isso fazia aquele povo sentar na frente dos computadores do laboratório (que no intervalo era uma sala de estar, e não de torturas) e descobrir por conta como enviar mensagens, receber mensagens, conversar, acessar páginas web, editar textos e várias outras brincadeiras. Afinal, quem tem computador em casa sabe fuçar, por que não seria possível fuçar na faculdade, né? A estrutura acadêmica (argh!), apesar de ser bem mais aberta naquela faculdade, ainda não me permitia mudar muita coisa, mas uma mudança de abordagem tornou um pouco mais fácil continuar a dar aulas por mais alguns anos. Deixar os alunos descobrirem o que precisam (e vão querer) fazer, e então responder a eles através das aulas. Muito mais gente conseguiu aproveitar o conteúdo (e sofrer menos).