O Efeito Hordônio
Sex 5 Dez 2008 00:04 |
- Detalhes
- Categoria: dalton
- Atualização: Quarta, 20 Janeiro 2010 22:32
- Autor: Dalton Sponholz
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A gente tinha um gato siamês chamado Franz. Um dia uma fêmea, cor de chumbo, muito bonita, apareceu no nosso jardim e por lá foi ficando, o Franz aceitou-a numa boa, partilhando a mesma tigela de ração. Minha irmã chamou ela de Nasili. Demorou até eu perceber entre as plantas, onde a Nasili costumava se esconder, a presença de um filhote, cor de chumbo, como a mãe. Minha irmã chamou o filhote de Hordônio (nomes esquisitos em animais sempre foi característica da mana). Mas, ao contrário da Nasili, que era uma gata dócil e carinhosa, o Hordônio era arisco, intocável, agressivo, isolado. Impossível se aproximar dele, muito menos tocá-lo, fazer um carinho. Tempinho depois um vizinho explicou a origem dos bichinhos: a Nasili havia tido uma ninhada na rua, e os moleques do bairro judiaram dos bichanos à base de pedradas e chutes até que somente o Hordônio sobrevivesse, além da mãe, que o levou até nosso jardim e lá deixou o pequeno escondido. Maldade, muita maldade.
Conquistar o pequeno Hordônio virou quase um desafio para mim. Dia após dia eu tentava me aproximar daquela criaturinha tão aparentemente frágil e ao mesmo tempo tão resoluto em manter-se distante. Eu via o bichinho colocando a cabeça pra fora das plantas, jogava de longe um pouco de ração, deixava no caminho dele uma tigela de leite na calçada. Passavam-se os dias e nada dele me deixar aproximar, qualquer movimento em sua direção e zupt de volta pras plantas, mas aos poucos ia aceitando minhas ofertas alimentares. Muito tempo passou até que ele topasse vir buscar comida na minha mão, e acho que lá pela terceira vez consegui passar a mão na cabecinha dele quando veio buscar. O trio de gatos se tornou parte do jardim, uma família linda de felinos de olhos azuis. O pacato Franz nunca se opôs à presença dos invasores, ao contrário, tornou-se um bom pai de família para a dupla. E o Hordônio enfim começou a aceitar carinho e comida, e a presença de mais gente por perto.
O problema é que no quintal da casa a gente tinha um cachorro, o Ludovico. O nome deste coitado foi eu quem deu, em homenagem ao personagem de Patópolis. Era um cachorro manso, vira-lata mas com um ar de Pastor Belga misturado, tranquilo, mas defendia com vontade a casa, até mesmo de ratos e outros invasores grandes e pequenos. E o Hordônio, que começava a aprender a perder o medo, mudou sua desconfiança do status de nenhum para qualquer um; eu conquistei o gatinho, ele parou de ter medo, e entrou sozinho no quintal numa noite crendo que o cachorro não representava perigo. Que dó! Nem eu nem ninguém lá para defendê-lo. Só ele e o baita Ludovico, frente a frente. Quando escutei os gritos do pequeno, corri para ajudar, e, na ânsia de fazer alguma coisa, surrei o coitado do Ludo, que só estava fazendo o trabalho dele, de defender o quintal. E não deu tempo de mais nada, até tentei telefonar para um atendimento veterinário de emergência, mas o Hordônio já parava de respirar aos pouquinhos. Quantas vezes vivi o efeito Hordônio, me entregar à confiança do desconhecido pela conquista do conhecido, pensei olhando o fim do gatinho. Entre nenhum e qualquer um, há alguns bem selecionados, diga-se.