A depressão e o esgoto da mente
Qui 18 Set 2008 16:48 |
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- Categoria: dalton
- Atualização: Quinta, 14 Janeiro 2010 21:25
- Autor: Dalton Sponholz
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Outro dia apareceu um vazamento de esgoto na calçada do meu quintal. Um filete de (eca!) líquido sujo, mas que, drenado pelo escoamento da água da chuva, com o tempo começou a espalhar um cheiro horrível pela casa, além de atrair ratos e outros visitantes desagradáveis. Antes de descobrir a origem e partir para o conserto, que exige um quebra-quebra de calçadas e paredes, para evitar todo o desgosto tinha que lavar a calçada com desinfetante frequentemente, limpando e esterilizando a parte visível e a invisível do caminho que a nhaca percorria. Essa situação me fez pensar na neuro-química, na estrutura físico-funcional da cabeça da gente, que relaciona o corpo às emoções.
Eu já falei em outro momento aqui sobre essa cultura vigente de tratar sintomas e não causas. Não culpo os cientistas, já que o papel deles é lidar com o que está ao alcance do conhecimento e da percepção experimental. Mas acho que se conformar com o conhecido como se fosse o todo não é uma postura saudável. E quando vejo situações como a de um casal de conhecidos meus que, em depressão, passaram a tomar anti-depressivos e continuaram suas vidas no mesmo caminho, fico bastante agoniado. A ciência descobriu qual é a química que pode explicar a depressão e, às vezes, invalidando ou simplesmente ignorando que toda depressão tem uma história precedente, trata o vazamento de coisas ruins do cérebro com desinfetante deixando tudo limpo e cheiroso sem levar em consideração de onde vem o vazamento; de que ser humano é ser existencial, questionador, sentimental, emocional, precisa de significado, segurança, amor, afeto, interatividade, relacionamento e uma série de outros fatores que fazem gente ser gente e que, quando abalados, ou ameaçados, liberam a química do mal-estar que é a ferramenta da vida para avisar que algo precisa ser mudado, um alarme pré-instalado pelo criador pra não deixar descambar o coreto. É certo que quando se percorre um tempo o caminho de descida sem dar ouvidos a este alarme, chega-se a um patamar de depressão em que o coreto já descambou, e uma medida emergencial pode ser necessária até para se ter condição de rever o caminho. Mas tomar o remédio alterando a química sem quebrar as calçadas para descobrir a raiz do mal-estar é viciar o corpo a não reagir ao que está errado, é esfriar e robotizar a vida, fazer de gente, máquina.
Então se vê por aí gente que parece vencer mas não entende as coisas mínimas da própria existência, alcança objetivos grandes mas perdeu o sentido de sonhar, coordena uma equipe mas não sabe cultivar um amigo. Gente que não se sente mal, mas também não se sente bem. Só está bem, um bem que é bem porque parece não fazer mal. Gente que tem uma segurança que não pode durar, na qual não se pode fiar. Que se acostumou a continuar, e tem medo de se perguntar sobre seu próprio caminho.
A química da vida é feita pra desequilibrar volta e meia. Paixão desequilibra a química, saudade altera todo o sistema. Um olhar, um toque, a presença de uma pessoa querida, ou simplesmente uma paisagem, ou um presente significativo, coisas boas e ruins causam reações enzimáticas e quimico-orgânicas, mas não são as reações que causam as coisas, não deveria ser a quantidade de serotonina, adrenalina ou dopamina o foco dos porquês. Questionar o caminho, os sentidos, os lugares, as ações e as reações não é tarefa simples. Mudar é muitas vezes um risco duro e assustador. Principalmente num mundo que diz o tempo todo você precisa ser, você precisa fazer e você precisa ter, e que parece não deixar muitas alternativas (escolha, o problema é a escolha). Escolher faz bem. Um bem que é bem.