O cego sente falta das cores?
Qui 28 Ago 2008 21:16 |
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- Categoria: dalton
- Atualização: Quinta, 14 Janeiro 2010 19:37
- Autor: Dalton Sponholz
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O cego de nascença pode sentir a falta das cores? Uso esta metáfora pra questionar as tantas coisas que devo estar deixando de perseguir e os caminhos que me recuso a mudar apenas por não ter a menor noção, não ter nenhuma referência de uma alternativa melhor. Penso na quantidade de anos que passei sem comer palmito. Desde criança dizendo que não gosto de palmito, fui experimentá-lo pela primeira vez quando tinha vinte anos de idade. Foram vinte anos sem comer aquele negócio delicioso, nem em pizza. Fechar-se ao novo, à experimentação, é prejuízo certo. Além do problema de que não é possível ter a certeza de que jamais se acordará um dia para a realidade de que se deixou de aproveitar algo muito bom e que já não dará tempo agora de viver aquilo que já foi, a sensação do escuro deixa claro (hum, gostei do paradoxo!) que alguma coisa está faltando, e estar fechado num plano conhecido obriga a se conviver com o buraco da falta.
Dias atrás tive uma crise de saudades do Sampa Sul, um BBS (Bulletin Board System) dos idos de 1990 em Curitiba. Pra quem não pegou aquela geração, os BBS's eram a forma virtual de se relacionar antes da popularização da internet. Várias pessoas conectavam-se ao mesmo computador para trocarem mensagens, fossem pessoais (como são os email's) ou discussões em grupos de fórum, sobre assuntos muito variados, que iam de tecnologia a cotidiano. Regionalíssimo, já que dependia de uma linha telefônica para a conexão e isso atraía normalmente usuários da mesma cidade por causa dos custos de telefonia, estes centralizadores de informação acabavam formando grupos sociais muito peculiares. No Sampa Sul, por exemplo, conversávamos de abobrinhas a política (hum, talvez eu tenha sido redundante aí) entre um grupo composto por bancários, empresários, crianças (sim, até de menos de 10 anos), adolescentes, profissionais de T. I., universitários e professores, gente de diversos segmentos, estilos, idades, interesses, ligados pelo único ponto comum de ser um usuário de computador com um modem e uma linha telefônica. Talvez essa descrição não pareça tão interessante frente ao universo pluralíssimo da internet de hoje, mas imagine o Sampizza, o encontro mensal dos usuários do Sampa Sul... Em volta de uma mesa (de verdade, não virtual) estavam lá todas aquelas figuras, dos que foram deixados lá pelos pais aos que chegaram de moto ou de limusine, que talvez jamais estivessem juntas em outra ocasião. E todos mutuamente respeitando-se, conversando de igual para igual, durante o ritual social muito comum da prática da gastronomia. E eu nunca experimentava a pizza de palmito. Mas não é do palmito que quero falar.
As saudades que senti do Sampa Sul são na verdade o sentimento de reconhecimento da importância que ter participado daquele grupo teve em minha vida. Classificado por um dos usuários como uma monarquia anárquica, por ter um operador (neste caso o querido Otto Riederer, um senhor bonachão e divertido) que era o dono do sistema e tinha todo o poder com relação a ele, mas, no entanto, crescer moldado pelos próprios usuários sem necessariamente precisar de uma hierarquia ou privilegiar somente maiorias (um usuário recém-chegado, adolescente de espinha na cara e nenhuma genialidade especial tinha tanto poder de sugestão e participação quanto um veterano barbudo), o seu regime possuía um conjunto de regras sociais próprias. E uma das mais interessantes era de que a arrogância era um sintoma de pronta exclusão, e a humildade o caminho para a participação. Não era poder, status, inteligência ou classe social o que importava ali. E lembro de verdadeiros anjos que faziam parte do grupo, como o criativo Rudnei Campos e o genial Miguel Velilla (onde estarão estes caras?), cujos nomes ficaram marcados para sempre em meu coração, porque tinham o desprendimento de investir muito tempo em gente para mostrar como é que se ganha espaço e integração num grupo social quando se é um estranho no ninho, ou seja, explicavam aos cegos recém-chegados, àqueles com vontade de ver, como enxergar as cores do grupo, apesar dos monitores monocromáticos de fósforo verde do final da década de 80.
Clique aqui pra ver a "Campanha Internacional do dia do ovo em pé", um dos assuntos mais replicados nos BBS's da época. A primeira mensagem citada, logo abaixo do texto principal, é uma transcrição de um post do amigo Luciano Eicke no SAMPA SUL. Leitura saudosa! Os posts seguintes são de outros BBS's, que sincronizavam mensagens entre si através de gateway noturno.