Biblioteca da Aldeia

A Língua Nativa

Qua

23

Jan

2008


11:31

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A LÍNGUA NATIVA

Cláudio Leal Domingos

A língua portuguesa no Brasil está profundamente mesclada com a língua índigena, sobretudo com a tupiguarani. Podemos exemplificar com o texto a seguir, no qual as palavras indígena estão em itálico:

"A carioca Iara Pitangui, de Ipanema, foi com sua amiga Jandira Araripe, da Tijuca, ao teatro Ipiranga, assistir a peça infantil Saci-Pererê e o Sapo Cururu". O prédio era uma tapera cheia de cupins. Iara cutucou Jandira e, tiriricas da vida, saíram atucanadas e foram para Araruama, onde elas tinham outra amiga, Araci, uma pernambucana que conheceram em Niterói. Araci disse que gostaria de convidá-las para o almoço, mas, muito jururu, começou a chorar as pitangas e alegou que estava na pindaíba. Depois de muito nenhenhem, deixaram de picuínhas e resolveram fazer um mutirão. O almoço foi pirão ao molho de tambaqui, paçoca e moqueca com aipim."

A influência é tão significtiva que muitas palavras, de tal modo integradas, não traem a menor suspeita sobre sua origem nativa. São comuns expressões como "um cipoal de problemas" ou "uma pitada de ironia". O termo "cipoal" é um derivado óbvio de cipó. Já "pitada" merece uma explicação. Os nativos chamam o fumo (tabaco) de "pitan", ou "petan", de onde nasceu a palavra pitar, em "pitar um cigarro". Da sua transformação em rapé, para aspirar, nasceu "uma pitada de rapé", que daí foi para a cozinha, em "uma pitada de sal", por exemplo.

Esses exemplos não foram buscados no fundo do baú, para os propósitos deste texto, como isso fosse um trabalho árduo. Basta consultar o nosso dicionário, principalmente na letra jota. Está repleto de termos indígenas. Claro que a influência está sobremodo nas denominações das coisas da natureza, animais, vegetais, etc., mas sua presença parece-nos mais significativa na toponímia. Podemos ver isso nos nomes dos Estados: Ceará, Pernambuco, Paraná, Piauí, Goiás, Amapá, Pará, Roraima, Tocantins, Acre, Paraíba, Sergipe. O nome Maranhão também é considerado indígena por alguns estudiosos, mas temos dúvidas. Alguns Estados não tem nomes indígenas, como Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, mas seus nativos têm: carioca, caipira, capixaba.

Os nomes indígenas cobrem o mapa do Brasil, em nomes de rios, de serras, de montanhas, de lagoas, de vilas, de estradas, de ruas, de praias, como em Curitiba, Goiânia, Maceió, Macapá, Cuiabá, Niterói, etc., etc.. No Guia Telefônico encontraremos muitos nomes indígenas de pessoas, Jacira, Jurema, Iara, Ubirajara, etc., etc, ou sobrenomes, até famosos, como Pitangui, Jucá, etc.

Mas, se ainda assim, a linguagem não puder ser considerada, encontraremos a influência e participação indígena nos fatos da nossa história (a batalha de Guararapes, a fundação de São Paulo, etc), no perfil psicológico do brasil, na maneira de ser, (honestidade, o conformismo, a hospitalidade, etc.), nos tipos característicos (o caipira, o gaúcho, o caboclo), na música (o cateretê, etc.), na dança (a catira, etc.), em eventos culturais (o boi-bumbá, etc.), e na nossa cultura em geral. Enfim, acho melhor reconhecer, como bons americanos do sul, que somos um país indígena, cultural e geneticamente. Estudos científicos demonstram que grande parte dos brasileiros têm uma boa percentagem de sangue índigena. A mesclagem foi mais profunda do que se conhece. Mesmo com os imigrantes europeus mais recentes, como os alemães, chegados no sul a partir de 1824, e os italianos, poloneses e outras etnias a partir de 1875, exatamente porque eles receberam terras agrestes, foram colocados em regiões de florestas, para cultivá-las e tiveram, necessariamente, que conviver com o caboclo, com o caipira, com o remanescente indígena. Portanto, em vez de tentarmos demonstrar isso, melhor será nos atermos ao significado dessa influência.

Pretendemos trazer aqui, nos termos da nossa modéstia, um pouco do contexto etimológico de algumas palavras indígenas. Elas ampliaram consideravelmente o nosso léxico e registram um substrato cultural que não podemos ignorar. Mas, antes disso, torna-se impositivo conhecer o povo que as nos legou. Eles são as raízes de grande parte da nossa cultura, do nosso modo de ser, de um importante ramo da nossa história.


OS BRASILEIROS

Falar sobre uma língua exige conhecer, ainda que sumariamente, o povo que a fala, seu universo circundante, sua cultura, porque estão ambos, língua e povo, vinculados intrinsecamente.

O termo "brasileiro" foi inicialmente aplicado ao índio, mas, falar do índio no presente não daria dele um conhecimento legítimo. No contexto dessa palavra reside uma certa primitividade cultural, embora o seu amplo relativismo. Devemos conhecer o índio ao tempo da "descoberta", de quem teremos uma idéia melhor da sua cultura, da parte que herdamos.

Existem muitos registros sobre os primeiros contatos dos europeus com os americanos, a começar por Cristóvão Colombo, mas, nesse caso, nada melhor do que a carta de Pero Vaz de Caminha, o Escrivão da Armada portuguesa, comandada por Pedro Alvarez Cabral que chegou aqui em 1500 e que, em tese, “descobriu” o Brasil. É nela que temos, com maior certeza e fidelidade histórica, os primeiros relatos sobre o humano que habitava esta terra. A carta é preciosa em que tudo que disser respeito ao início da nossa história.

Caminha relatou que, na terça-feira, 21 de abril de 1500, são avistados "alguns sinais de terra" e que, no dia seguinte, 22 de abril, “à hora da véspera”, avistaram “terra”. No dia 23, "às 10 horas, pouco mais ou menos", "tiveram vista de homens que andavam pela praia..." (35). Começavam aí os primeiros rudimentos da nossa cultura.

A carta do escrivão português é extensa e a visão dos americanos deixada por ele confere com o que, no geral, se conhece da cultura nativa ainda hoje. Escritores dos primeiros anos, como Vespúcio, Pigafeta, Gândavo, Jean de Lery, Hans Staden, D’Abbeville, Gabriel Soares de Souza, Anchieta, e outros, deixaram um conhecimento geral dos indígenas. Claro que o Brasil ainda é habitado por índios e em muitas tribos a cultura é praticamente a mesma da encontrada no “descobrimento”. Mas vamos nos referir os habitantes dos primeiros tempos, tendo em vista conhecer a sua cultura na origem, sem as influências posteriores.

De modo geral, os índios do Brasil andavam nus. No sul, região fria, os homens cobriam o tórax com pele de animais e as mulheres usavam uma espécie de vestido, como uma camisola, feita em algodão, e chamada tipói. Pintavam o corpo, de tal modo que, de longe, pareciam vestidos. Usavam adornos, colares, pulseiras, na cabeça, nas orelhas, nos lábios.

Não eram nem brancos, nem pretos. São “da cor do canário”. Têm “...os corpos grandes, ... e de cor declinando para o vermelho...” (17-93). Essa era a cor da pintura corporal, porque usavam uma fruta, o urucum, para extrair dela a tinta, o sumo vermelho. Talvez por isso foram chamados de “pele vermelha”, linguagem também aplicada aos nativos da América do Norte. Os cabelos negros, escorridos, lisos, e grandes, compridos, fizeram com uma tribo fosse considerada composta de mulheres, de onde nasceu a lenda das Amazonas e, daí, o nome da região. De modo geral, procuravam tirar os pelos do corpo, exceto o cabelo. Em algumas tribos, os homens tosquiavam parte do cabelo. Caminha disse que “...andavam tosquiados de tosquia alta..” e que estavam “...rapados até por cima da orelha” (35-162). De pouca barba. Raspavam também o cabelo por luto. Havia tribos com índios de pele clara, branca, como os Araras, e outros de pele mais escura.

A estatura em geral era mediana, mas havia índios com mais de dois metros de altura, alguns com 2,18 metros. Os Aimorés, por exemplo.

Usavam arco e flecha, que não tinham finalidade exclusivamente guerreira. Serviam sobretudo para a pesca e a caça. Aliás, chamou a atenção a índole pacífica do povo americano. No primeiro dia do contato, Caminha relatou que os nativos vinham todos rijos para o batel e que Nicolau Coelho lhes fez sinal que pusessem os arcos e “...eles o puseram” e que, apesar de trazerem arco-e-flecha, “...não lhes aproveitaram” (35-160-161).

Usavam timbó (seiva tóxica de uma espécie de cipó) para entorpecer os peixes na água e facilitar a apreensão. Teciam algodão, para o tipói, a tira de pano com a qual as mães carregavam seus filhos, que também tinha a forma de um vestido usado pelas índias do extremo sul, e para um saiote usado pelas índias da tribo dos Parecis. Teciam o algodão, como outras fibras, para as redes de dormir e para adornos corporais, como o tapakurá, que as meninas usavam nos tornozelos. Suas vasilhas consistiam em cuias, balaios e cestos. Eram excelente tecelões. Faziam armadilhas para a caça. Usavam canoas de diferentes modelos. Eram bons nadadores. Dependiam das águas. Bons pescadores. Seu alimento principal estava no peixe e nas raízes, entre as quais a principal era a mandioca. Eram agricultores. Cultivavam feijões, abóboras, batatas, amendoins. Muitas técnicas, como a do preparo da mandioca, com a qual faziam farinha, passaram aos brancos. Espremiam a mandioca em tipitis e depois a secavam ao fogo. Era o seu principal alimento, com a qual faziam beijus. A mandioca, típica do Brasil, espalhou-se pelo mundo.

Viviam em aldeias, embora mudassem de vez em quando, diminuída a caça e a pesca na região. Construíam casas espaçosas, nas quais cabiam mais de vinte pessoas. Em cada aldeia, de uma a dez casas, ou mais. Dormiam em redes, penduradas nos esteios das ocas e tecidas em algodão, ou em outras fibras, como as extraídas do tucum. As redes são hoje de uso comum nos lares brasileiros e têm grande serventia. Nos rios do norte, na Amazônia, são as poltronas dos barcos de transporte de passageiros. O europeu aproveitou a fibra de tucum para tecer redes de pescar, tarrafas, etc., usadas até há algumas décadas.

Usavam ervas medicinais, mas, de modo geral, tinham boa saúde. Disse Vespúcio que “os médicos teriam uma má estadia em tal lugar...” (73). O conhecimento indígena do poder curativo das plantas americanas é um legado que, ainda hoje, preserva a saúde e salva vidas.

Não tinham escrita, não conheciam a roda, nem sabiam fabricar qualquer tipo de metal. Alguns adornos metálicos, em ouro, encontrados em solo brasileiro vieram de outras regiões da América do Sul e Central. Os nativos brasileiros, como esclareceu Caminha, cortavam as árvores com machados de pedra. Não contavam se não até quatro. Não marcavam o ano, nem dias, mas contavam o mês lunar.

Gente simples, hospitaleira. Os índios não tinham noção de propriedade particular e

“...qualquer um pode aprovei-
tar-se de seus haveres livremen-
te. Distribuem entre si tudo o que
possuem e não comem nada sem
oferecer aos seus vizinhos.”
(D’Abbeville, 227).

Foram considerados crédulos, ingênuos, porque não tinham religião, e que se poderia facilmente converte-los, porque não tinham noção de valor econômico. Vespúcio disse que eles, ingenuamente, trocavam coisas de valores diferentes, perdendo bastante, sem notarem para isso, e que “...tudo é comum”. O comunismo tentado implantar na Europa já existia na América, há milênios, com resultados positivos, eficaz e legítimo, sem imposição. Certamente foi aqui o nascedouro dessas aspirações sociais, de liberdade, e de tantas outras virtudes, que foram influenciar muitos pensadores e políticos europeus. Pigafeta disse que “são extremamente crédulos e bons...”, pois trocaram com eles inclusive as figuras de baralho e que por “um rei de ouro me deram seis galinhas e ainda creditavam ter feito um magnífico negócio...” (27-57). Naturalmente que não eram galinhas propriamente, que vieram da Europa, mas algum pássaro semelhante. Em resumo, viviam “...segundo a natureza”. “Não são entre eles comerciantes, nem mercadejam coisas.”. (17-94).

Não têm governos, nem Reis, nem províncias, nem Estados, nem departamentos. Gândavo disse que “...somente em cada aldeia tem um principal, que é como capitão, ao qual obedecem por vontade e não por força...”(12). Observe-se bem essa diferença entre o poder político, impositivo, de mando, dos nossos governantes atuais, e o meramente administrativo, espontâneo, voluntário, dos índios.

Não castigam os filhos e “...por maravilha jamais vimos fazerem contendas entre eles..” (17-109).

Foram considerados “os maiores dançarinos do mundo...”, que “vivem eles em permanente estado de alegria.” (5-212).

Outro aspecto bastante acentuado foi que “São gente limpa e asseada dos seus corpos, por tanto continuarem a se lavar, como fazem...” (17-109). A higiene pessoal dos americanos foi algo que, de modo geral, chamou e a atenção dos europeus e, felizmente, foi absorvida por estes.

Chamou a atenção, como falou D’Abbeville, o fato de que, apesar de viverem muitos anos, não branqueavam o cabelo, nem ficavam careca e entre eles “não há nenhum zarolho, nem cegos, corcundas, coxos, ou disformes...”(5-210).

Além da nudez, outros detalhes curiosos para o europeu foram que os índios traziam o beiço de baixo furado e metidos por ele ossos. Os homens “...não eram fanados...”, isto é, não eram circuncidados como os muçulmanos, “...mas todos como nós...” (35-165). As mulheres tinham suas “vergonhas altas e saradinhas...”, depiladas. (35-165).

Surpreendeu saber que os nativos não tinham convicção religiosa nenhuma. A primeira missa rezada em solo americano lhes pareceu uma festa. Tanto que começaram a tocar, “saltar e dançar” (35-166). Aliás, eram exímios dançarinos. Um gaiteiro português meteu-se com eles a dançar, “...e faziam muito bem” (35-166).

Essa é, numa idéia geral e resumida, a visão dos brasileiros nos primeiros anos da invasão européia. Muito se poderia falar na cultura nativa, pois, se não tinha alcançado o estágio europeu, pelo menos não tinha ladrões de armas em punho, assaltos, etc.

Quanto à visão da terra, no seu todo, podemos resumi-la à de Vespúcio:

“...se o paraíso terrestre em al-
guma parte existir, não longe da-
quelas regiões estará distando,
estimo...” (17-96).

Um aspecto que muito importa é quanto ao número desses habitantes americanos. Caminha registrou ter visto na praia, pela primeira vez, “...obra de sete ou oito...” homens que andavam pela praia e que, no primeiro desembarque, quando o batel chegou à boca do rio, “...eram ali dezoito a vinte homens...” (35-160). No dia 24 de abril, quando navegavam pela costa, avistaram sentados na praia “...sessenta ou setenta homens...” (35-161). No dia seguinte, desembarcaram e, mal chegados à praia, acudiram obra de “...duzentos homens, todos nus...”. Viram algumas mulheres “...bem moças e bem gentis...”(35-165). Na quarta-feira, não foram em terra, mas avistaram pela praia obra de trezentos nativos. Na quinta-feira, desembarcaram e vieram cerca de “quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta...” indígenas.

Calcula-se que, ao tempo da “descoberta”, moravam no território brasileiro mais de quatro milhões de índios, pelo menos. Sabe-se, com certeza, que eram muitos, milhares. Para a América, o cálculo chega a cinqüenta milhões (8-28). Aonde foram todos esses índios? Bem, essa história terrível, que não faz parte deste trabalho, pode ser contada em poucas palavras: foram exterminados, física e culturalmente, com toda a brutalidade que um genocídio desse tipo pode conter.

Muitas nações indígenas ocupavam o litoral principalmente, onde, desde as primeiras investidas dos europeus, foram vistos em grande número. Américo Vespúcio registrou que naqueles “países tal multidão de gente encontramos que ninguém enumerar poderia”. (17-69)

Tão somente para o leitor ter uma idéia, trazemos uma relação de algumas das muitas nações e tribos brasileiras mais conhecidas e citadas na literatura, a partir nordeste para o sul e do litoral para o interior, mas frisamos: é uma lista apenas ilustrativa.

  1. Tupinambás (Bahia, Maranhão)
  2. Tupiniquins (Porto Seguro, Bahia)
  3. Tabajaras (Pernambuco)
  4. Caetés (Alagoas)
  5. Goitacás (Espírito Santo)
  6. Potiguares (Paraíba)
  7. Tamoios (Rio de Janeiro)
  8. Guananazes (São Paulo)
  9. Carijós (Santa Catarina)
  10. - Arachãs (Rio Grande do Sul)
  11. - Cariris (Bahia)
  12. - Minuanos (Rio Grande do Sul)
  13. - Charruas (Rio Grande do Sul)
  14. - Xavantes (Mato Grosso)
  15. - Camaiurás (Xingu)
  16. - Parecis (Mato Grosso)
  17. - Araras (Amazônia)
  18. - Ianomâmis (Amazônia)
  19. - Kaiapós (Mato Grosso)
  20. - Guaicurus (Pantanal matogrossense)
  21. - Tapirapé (Brasil central)
  22. - Parintintins (Pará)
  23. - Mundurucus (Amazônia)
  24. - Caingangs (Sul do Brasil)
  25. - Txucarramães (Xingu)
  26. - Jurunas (Mato Grosso)
  27. - Nhambiquaras (Mato Grosso)
  28. - Bororós (Mato Grosso)
  29. E muitas outras...

    A respeito, basta ter em conta que existe uma relação de mil cento e quarenta (1.140) grupos tribais ainda habitantes do Brasil.

    O continente americano era habitadíssimo!

    Estamos referindo nações e tribos, cujo número, se viu, é grande, e, além disso, uma nação se compunha de tribos e essas podiam ter muitas aldeias, nas quais habitavam, segundo os registros dos primeiros tempos, em torno de duzentas pessoas. Havia grupos menores, é claro, pois muitos grupos indígenas mal edificavam cabanas toscas e se deslocavam constantemente. Outros, sobretudo os litorâneos, mais evoluídos, se fixavam mais tempo e construíam casas espaçosas, que podiam abrigar mais de vinte pessoas cada uma. Havias casas que abrigavam até duzentas pessoas. O litoral brasileiro, como ainda hoje demonstram os vestígios nos sambaquis e restos de cozinha indígena, era coberto dessas aldeias. Em torno da Bahia da Guanabara, hoje cidades de Rio de Janeiro e Niterói, exsitiam, entre outras, as seguintes aldeias dos índios Tamoios:

    1) Kariané, nas imediações da Lagoa Rodrigo de Freitas;

    2) Jaboraciá, Pepim, Eirumiri e Paná-açú, entre os morros da Babilônia e o Pão de Açúcar, para o norte;

    3) Iapopim, junto ao Pão de Açúcar;

    4) Uirá-uassú-uê, acima e ao lado esquerdo do Pão de Açúcar;

    5) Ocaretin, entre o Pão de Açúcar e o Morro da Viúva, mais afastada da praia;

    6) Tentimem, perto da casa construída por Villegaignon, próxima ao Morro do Leryppe e do Rio Carioca;

    7) Catiuá, Iriú, Araú e Purumuré, nas imediações do Morro Santa Tereza e Santo Antonio;

    8) Cotiú, Pavuna, Inhaúma, Irajá, Savigahi, Uepé, Itauá, Ueru, Acurasó, Usu, Sarapú, Irará-me, Sapopema, as imediações do Engenho Velho e Engenho Novo, Inhaúma, Pavuna e Irajá, Campinho e Cascadura.

    9) Pindaussú, Carogue, Piracujú, Caranguá, na lha do Governador.

    10) Itaúna, Sacuaússemhuac, Ocaretin, Sapopema, Nurucuné, Arapatué, Ussapué, Urarameri e Caranacui, em Niterói, entre outras(3-12/67/68).

    Das aldeias existentes à margem esquerda da Bahia da Guanabara (ou, como chamavam, o Rio de Janeiro), a mais importante delas deixou seu nome no povo que habitou a região desde então: a denominada Kariok. No lado direito de quem entra na Bahia, em Niterói, ainda existe o nome da Praia de Icaraí, nome indígena. Observemos que muitos dos nomes das aldeias citados continuaram na toponímia carioca e fluminense, com nomes de bairros e cidades, como Pavuna, Inhaúma, Irajá, etc..

    D´Abbeville cita a existência, na Ilha do Maranhão, hoje território da capital maranhense, São Luiz, de vinte e sete aldeias, nas quais

    “contam-se algumas de duzen-
    tos e trezentos habitantes e ou-
    tras de quinhentos a seiscentos, e
    às vezes mais, de modo que, em
    toda a ilha podem existir de dez a
    doze mil almas”... (5-139)

    Disse que havia entre quinze e vinte aldeias em Tapuitapera, “próximo à ilha do Maranhão” e outras para o lado oeste, “além de Tapuitapera”. Entre as quais, Timbói, Itapari, Cajapió, Araçatiba, Icatu, Miritiba, Pindotiba, Aruípe, Pacajás, etc., muitas das quais se tornaram as cidades, vila e bairros do Brasil, preservando seus nomes de origem. Houve, em certa época, uma febre indigenista, em que muitas cidades foram rebatizadas com nomes indígenas. Mas, seguramente, um grande número de cidades brasileiras, vilas e bairros, nasceu em cima das aldeias nativas, inclusive preservando seus nomes. São Paulo se chamou Piratininga, ou Campos de Piratininga, região de uma aldeia indígena em que vivia o cacique Tibiriçá. Diz Serafim da Silva Neto que se calcula “...em duas centenas as vilas e cidades do Brasil sucessoras das antigas aldeias indígenas”.(4-114). Esse ainda é um cálculo pessimista, pois, a toda evidência, o número é muito maior.

    Há quem negue essas afirmativas de que “aldeias se transformaram em cidade”. Darci Ribeiro, por exemplo. Entretanto, as demonstrações físicas remanescentes (restos da cozinha indígenas em pontos urbanos) e históricas são muitas e objetivas. Nem poderia ser diferente. Há muitos registros históricos. Por exemplo:

    “Desta paragem chamada Par-
    naguá, que hoje é vila, se se-
    guiam os lugares seguintes, que
    é Ubatuba, Parati, Ilha Grande,
    que todas são vilas, hoje, sendo
    naquele tempo aldeias do gentio.”
    (36-135).

    Além das aldeias, houve muitos aldeamentos criados pelo governo que também viraram cidades. “O Município de Santa Terezinha teve como origem o aldeamento ali criado para os Kiriri.” (37- 14). De qualquer modo, ainda que não tenha ocorrido uma continuidade propriamente dita, aceitando o argumento de Darcy Ribeiro, é preciso explicar como, quando e onde a mesclagem ocorreu. Uma constatação óbvia é que os índios ocupavam os melhores locais, territorialmente falando. As melhores florestas, os pontos altos, os melhores terrenos (tanto quanto nós também fazemos), onde havia mais abundância de caça, de mel, as melhores margens d´água, do mar, das lagoas e dos rios, em razão da alimentação mais abundante e por outras necessidades evidentes. Foi aí que os invasores também foram se estabelecer, haja vista que as primeiras cidades brasileiras nasceram próximas do mar, à margem de rios e de lagoas.

    A nosso ver, deve ter ocorrido, em muitos locais do território brasileiro, como nos exemplos das citações e em muitos outros casos, uma continuidade, uma transição lenta, mas direta, da aldeia indígena para a cidade atual propriamente dita, ainda que sob organização dos brancos. Os religiosos e o governo reuniam tribos indígenas para facilitar a dominação e davam a esses agrupamentos os nomes de “aldeamentos”, “reduções” e “administrações”. As reduções eram coordenadas pelos religiosos, jesuítas, e muitas logo se transformaram em grandes cidades indígenas, como a das Missões, no Rio Grande do Sul, que sucumbiu, mas deixou o registro arquitetônico de sua grandiosidade. Foram os aldeamentos coordenados pelo governo, as “administrações”, que abriram clareiras na cultura americana para a inserção de muitos dos nossos agrupamentos urbanos. Mesmo no Rio Grande do Sul, um dos últimos Estados litorâneos a receber mais intensamente a ocupação européia, subsiste os registros desse fato. A cidade de Gravataí, por exemplo, foi local de um grande aldeamento, sob o nome de Aldeia dos Anjos, cujo nome ainda existe em um bairro. Foram reunidas ali em torno de seiscentas famílias indígenas, trazidas das missões e de outros pontos do território gaúcho com o objetivo de integrá-las à sociedade européia.

    O chefe dos índios Tupinimós, por ter ajudado os invasores portugueses na retomada do Rio de Janeiro, que estava em poder dos franceses, foi agraciado com uma área de terras (das suas próprias terras...). Mem de Sá concedeu-lhe uma carta de Sesmaria, em 16 de março de 1568, com “uma légua de testada e duas de sertão”. Essas terras já estavam em poder de Antonio Martins e Isabel Velha. O cacique Araribóia fez ali uma aldeia, que ficou conhecida pelo nome de São Lourenço (hoje Niterói).

    Pelo menos do ponto de vista espacial, os europeus ocuparam muitos dos mesmos locais das aldeias indígenas, aproveitando as condições ambientais existente, o terreno preparado, etc. Por isso, a convivência de brancos e índios existiu, intensa, pois, ainda no século XVIII, as estatísticas populacionais registram que é grande o número de índios habitantes das cidades brasileiras. Quando os portugueses começaram a ocupar o litoral norte do Rio Grande do Sul, vindos de Laguna, Santa Catarina, a partir de 1700, aproximadamente, a região já estava desabitada dos índios, que tinham sido caçados pelos Bandeirantes a partir de 1600. Mesmo assim, uma estatística da população da cidade de Osório, antiga Conceição do Arroio, no litoral norte do RS, aponta 234 brancos e 25 índios e que, ainda em 1814, há dezenove índios na cidade de Osório, numa população branca de 836 pessoas. Estou referindo essa cidade em face de que, considerando o começo da história do Brasil, nasceu tarde (1742), quando o extermínio local dos índios já ia intenso, mas é claro que, nesse tempo, em outras cidade e regiões do país, os índios ainda eram maioria. É evidente que os índios remanescentes permaneceram na sua terra e se viram forçados a incorporar-se aos brancos, morando em suas cidades, sobretudo naquelas nascida em cima das aldeias.

    Portanto, esses habitantes pré-conquista do Brasil, que eram muitos, com as características que, em linhas gerais descrevemos, eram os brasileiros. Há quem entenda (como o historiador Eduardo Bueno) que o nome brasileiro começou ser aplicado aos nativos, os índios, que, sob ordem dos europeus, colhiam o pau-brasil que ia para a Europa. Ou seja, parece entender que o nome brasileiro significaria algo como “carregadores de pau-brasil”. Entretanto, entendemos que o nome ganhou força como antinomia do nome português, e era aplicado aos indígenas de modo geral e aos que, embora de origem portuguesa, tinham nascido no Brasil e não apenas aos colhedores de pau-brasil. É o que se depreende da leitura dos documentos do período colonial, que identificam, de um lado, os brasileiros, os indígenas e, de outro, os europeus, portugueses e outros.

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